Thursday, April 22, 2010

PPP!!!

Voltando ao início de nossa exposição, quando destacamos a força do PPP como
instrumento que reflete o desejo teórico orientador das práticas escolares e nascedouro do
Regimento Escolar, gostaríamos de destacar que nem sempre foi este o percurso de sua
concepção/elaboração.
Até a promulgação da CF/88 e da aprovação da atual LDB, o Regimento Escolar era
parte de um processo baseado na racionalização burocrática que não considerava princípios
como descentralização, autonomia e participação na gestão escolar, constituintes do que
entendemos, hoje, por gestão democrática. Mesmo em períodos democráticos de governo, do

2° período republicano (1934, 1946), quando a influência dos Pioneiros da Escola Nova
era
evidente nas reformas educacionais em curso, a organização escolar era considerada assunto
para técnicos especializados em educação. Nesse contexto, as escolas orientavam-se por
regimentos padronizados, outorgados por suas mantenedoras (Secretarias de Educação). Essa
situação as levava, com freqüência, ao descumprimento das normas externamente instituídas,
por não estarem as mesmas ajustadas às diferentes realidades escolares e por não serem,
assim, legitimadas por seus usuários.
Foi somente com a retomada da democracia, após mais de vinte anos de regime militar
(1964-1985), que debates como autonomia escolar, participação, decisões compartilhadas,
gestão democrática, etc., até então considerados utópicos, se integraram a outras demandas
sociais durante o processo que antecedeu a promulgação de nossa Carta Magna.
Assim, a concepção de escola como instituição relativamente autônoma e responsável
pela construção e execução de um projeto educativo, inspirador e norteador dos demais níveis
do planejamento escolar, é muito recente em nossa história escolar.
Talvez isso explique parte da resistência que ainda se observa em nossas escolas,
quando os quadros docentes e demais segmentos da comunidade escolar são chamados para
participarem do processo de formulação do PPP e do Regimento Escolar. Daí, a importância
de darmos destaque a esses dois instrumentos e os considerarmos espaços para a construção
de uma escola pública democrática.
Por acreditarmos que a democracia é um processo em permanente construção e
aprendizagem e que exige vigilância constante é que apostamos nos atores políticos escolares,
especialmente nos professores, para promoverem a mobilização e a mudança de atitude em
relação ao destino da escola pública. Os professores são atores institucionais
importantíssimos, cumprem uma função social, têm em suas mãos a possibilidade concreta de
oportunizar às crianças e jovens em idade escolar tornarem-se cidadãos críticos, reflexivos e
atualizados. Para isso é necessário lançar mão de um importante aporte, neste caso, também o
Regimento Escolar, para construir uma escola democrática, de qualidade e transformadora.

Curriculo: uma reflexaõ sobre a pratica!

Os processos societais contemporâneos, a cultura e sua relação com o currículo
De acordo com alguns autores, dentre eles Sacristán (2005), as principais alterações no
paradigma social atual derivam de fenômenos concorrentes, dentre os mais relevantes: a
dinâmica da globalização, as novas tecnologias, a sociedade da informação e o neoliberalismo
político e econômico. Esses fenômenos afetam significativamente o Estado, a sociedade como
um todo, a cultura, o trabalho e a construção do sujeito, redefinindo esses eixos a partir da
dinâmica implementada pelo seu funcionamento conjunto.
Em relação ao estado, conforme o mesmo autor, percebe-se a porosidade das
fronteiras, a redução do setor público, o estado como regulador da dinâmica social e
econômica; há a desvalorização da política, o questionamento da cidadania e dos direitos
sociais em detrimento do poder e dos valores do mercado. No âmbito da sociedade, o
individualismo e a competitividade ganham força na vida privada, na vida pública e nomundo
do trabalho, com a ruptura dos laços de solidariedade e colaboração nas comunidades. A
democracia e a participação perdem sentido, há o aumento da desigualdade, da segregação da
exclusão; a socialização através das instituições clássicas – família, escola, igreja, partido
político – sofre significativa desvalorização; surgem as Organizações Não Governamentais -
ONG e outros agentes que substituem o estado; emergem novas solidariedades – ecologia,
lutas identitárias; a sociedade experimenta um sentimento de incerteza e de transição
permanentes.
No campo da cultura, há a ampliação exponencial da informação disponível, até a
saturação, transformando o sentido do conhecimento e do saber, contraditoriamente levando
ao desconhecimento em detrimento da informação superficial; o acesso à informação está
condicionado ao conhecimento prévio em lidar com meios e instrumentos; se evidenciam os
problemas suscitados pela multiculturalidade. O mundo do trabalho é caracterizado pela
primazia das atividades que requerem competência intelectual; há uma
volubilidade/instabilidade dos empregos e das profissões, promovendo a desestruturação, a
precarização, a volatização do trabalho e a insegurança dos trabalhadores; fenômenos com a
transnacionalização do conhecimento e dos meios de produção promovem, com o fácil
deslocamento das empresas, a destruição do tecido produtivo de regiões e povos, provocando
movimentos migratórios e fragilização dos laços familiares, dadas as precárias condições de
sobrevivência.
A construção das subjetividades é igualmente afetada por esses fenômenos, através de
processos contraditórios: por um lado, marcada pela individuação, autonomia e liberdade

acentuadas, busca da independência, combinadas com a competitividade, que ocorre em
processos desiguais, já que os sujeitos vivem em condições desiguais; assim, individualidade,
privacidade e independência viraram sinônimo de isolamento, falta de solidariedade e de
vínculo; por outro lado, a individualidade enquanto construção singular dos sujeitos na
relação identidade/diferença com o outro é anulada e substituída pela massificação, anomia e
consumismo; há a insegurança, instabilidade e angústia desencadeadas pela desestruturação
da comunidade social, do estado como guardião dos direitos, do trabalho como forma de
inserção em uma estrutura produtiva estável. Assim, temos sujeitos individualistas, no sentido
da busca da satisfação egoísta, mas ao mesmo tempo aderidos à cultura de massas.
Os limites desse novo paradigma societal, já deflagrados pela crise econômica mundial
recente e pela falta de condições dos países em estabelecerem acordos em torno da
preservação da vida e do ambiente demandam, constantemente, estratégias que permitem a
perpetuação do atual modelo, que cada vez mais acentuam os processos de exclusão e
degradação da vida em todo o planeta, já que o mundo globalizado vincula, aproxima e
implica a todos num mesmo curso de existência social, que diz respeito a todos nós.
“Interdependência é uma condição da realidade” (SACRISTÁN, 2005, p. 44).
Evidente que esses fenômenos afetam a educação, pois incidem sobre os sujeitos,
sobre os conteúdos do currículo e as formas de aprender. A partir desse contexto, as perguntas
sobre o que ensinar? e como ensinar? são ressignificadas e demandam novas análises, novos
ângulos, novas perspectivas (GARCIA; MOREIRA, 2005, p. 7). O mundo mudou, novos
desafios se apresentam e também a escola deve repensar sua função e seu currículo.
Em relação à cultura, Sacristán (id.) nos aponta a necessidade de construir um
currículo que trabalhe com no mínimo três perspectivas, quais sejam:
1) a cultura ligada à memória histórica, da tradição culta nas diferentes áreas do
conhecimento - explorando as ferramentas de acesso à informação, promovendo a atualização
do conhecimento, fomentando a aprendizagem interdisciplinar para fundamentar a
'inteligência geral', capaz de aprender a atuar num mundo complexo, desenvolvendo o
progressivo incremento do nível de competência na apropriação dos saberes e de uma
formação geral;
2) a cultura entendida como formas de vida e de expressão, como modo de ser de uma
comunidade - promovendo a abertura para o conhecimento, compreensão e respeito de outras
culturas e descentralização da visão da própria cultura; desmistificando relações de poder
entre as culturas, os processos de colonização e preconceito; considerando as condições de
diversidade e pluralidade das sociedades modernas; construindo uma postura crítica em

relação às orientações culturais próprias e alheias, que permita reconhecer práticas
atentatórias para a dignidade humana;
3) a cultura de massa – considerando o que constitui fonte de novas referências para a
cultura dos estudantes, problematizando conteúdos e hábitos consumistas, hábitos de vida
fáceis e supérfluos.
A escola pode assumir o papel, através de seu currículo, de promoção: da educação em
um sentido mais amplo, contribuindo com processos de globalização contra-hegemônicos,
que fomentem processos de inclusão, partilha redistribuição global das riquezas; da
construção de um conceito de estado como espaço de cidadania e democracia, que supere o
chauvinismo, como forma de associação política voluntária dos sujeitos pautados em uma
humanidade comum, buscando a resolução dialogada dos conflitos e o interesse coletivo; da
abordagem crítica das tecnologias da informação e do conhecimento entendidos como
instrumentos portadores não só do progresso social e do avanço científico, mas de equívocos
e potencial destrutivo historicamente construídos, que devem estar subordinados à ética e à
valorização da vida.
Portanto, o currículo deve estar comprometido com um projeto de sociedade
democraticamente elaborado e com o entendimento de que o momento histórico vivido não é
uma fatalidade ou condição inexorável, mas produzido por sujeitos históricos concretos
(SACRISTÁN, 2005, p. 76), e sendo assim, passível de mudança.
Após apresentarmos nesses primeiros segmentos do artigo reflexões relacionadas aos
aspectos “extra escola”, da política educacional e do contexto geral que interferem no PPP,
queremos abordar ainda aspectos que fundamentam o desenvolvimento do currículo voltando -nos
a seguir para o contexto mais interno da escola.